Para entender a polêmica decisão tomada nesta semana pela Comissão de Legislação, Justiça e Redação (CLJR) da Câmara de Foz do Iguaçu, é preciso começar pelo básico: o que diz a lei principal.
A Lei Ordinária nº 4.362/2015 (Lei própria do Magistério) é clara ao determinar que professores em estágio probatório, aquele período de avaliação de 3 anos, não podem atuar fora da sala de aula.
O objetivo é óbvio: avaliar se o servidor tem aptidão para a docência antes de lhe dar estabilidade.
No entanto, uma manobra política dentro da Câmara ignorou essa lei e barrou a tentativa de corrigir uma distorção que acontece hoje na prefeitura, tratando a legislação como um detalhe dispensável.
Entenda o caso passo a passo:
A Violação: O “Atalho” criado pelo Decreto
Apesar da Lei Ordinária nº 4.362/2015 proibir o desvio de função, o Executivo editou o Decreto Municipal nº 27.047/2019.
Na prática, este decreto criou uma “porta dos fundos”: ele permite uma avaliação especial para servidores que assumem cargos de chefia, ignorando a restrição da lei maior.
O problema prático: Com base nesse decreto, a prefeitura retira professores recém-concursados da sala de aula e os coloca em cargos comissionados ou funções de confiança. Isso viola a Lei nº 4.362/2015, mas a administração continua usando o decreto inferior para justificar a prática.
A Solução Proposta: O Projeto da Vereadora Yasmin
Para fechar essa brecha e restabelecer a hierarquia das leis, a vereadora Yasmin Hachem apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 17/2025.
O objetivo do projeto: A proposta de Yasmin tinha uma função única e cirúrgica: sustar (anular) o artigo do Decreto nº 27.047/2019 que permite essa manobra, obrigando a prefeitura a respeitar a Lei própria do Magistério e manter os professores em estágio probatório nas suas funções originais de ensino.
O Veredito Técnico: A Consultoria Jurídica Aprovou
Antes de ser votado politicamente, o projeto passou pelo crivo técnico dos advogados da Casa.
O Parecer Jurídico: No Parecer Técnico nº 440/2025, a Consultoria Jurídica da Câmara foi enfática: o projeto apresentado pela vereadora Yasmin é constitucional e legal.
Os técnicos afirmaram que é dever da Câmara fiscalizar e sustar atos do Executivo que extrapolem o poder regulamentar. Ou seja, juridicamente, o projeto para derrubar o decreto ilegal estava pronto e apto para ir a plenário.
A Barreira Política: A Comissão Rejeitou (O placar de 2 a 1)
Mesmo com a Consultoria Jurídica atestando que o projeto era a ferramenta correta para proteger a legislação, o texto foi barrado na Comissão de Legislação, Justiça e Redação (CLJR), mas a decisão não foi unânime.
- A Decisão do Relator: O vereador Beni Rodrigues (Membro/Relator), emitiu um parecer contrário ao seguimento do projeto, argumentando que “não existe vedação legal” para tais nomeações, ignorando a Lei nº 4.362/2015.
- Quem votou com o Relator (Pela Rejeição): O voto de Beni Rodrigues foi acompanhado pelo vereador Soldado Fruet (Presidente da Comissão). Juntos, eles formaram a maioria necessária para barrar a tramitação.
- O Voto Divergente (Pela Legalidade): O único a votar a favor do projeto foi o vereador Sidnei Prestes (Vice-Presidente). Ele divergiu do relator e manifestou-se pela aprovação da proposta, sendo o único membro da comissão a respeitar e seguir a orientação técnica da Consultoria Jurídica da Casa.
- O Resultado: Com o placar de 2 votos a 1, a Comissão decidiu pelo arquivamento do Projeto de Decreto Legislativo nº 17/2025, enterrando a discussão antes que ela chegasse ao público no Plenário.
Resumo da Ópera
A situação é a seguinte: existe uma Lei (4.362/2015) que proíbe o desvio. Existe um Decreto (27.047/2019) que ignora a lei. A vereadora Yasmin tentou derrubar o artigo do decreto com o Projeto nº 17/2025. O jurídico da Câmara disse que o projeto estava correto.
Porém, a Comissão (liderada pelo relator Beni Rodrigues) decidiu arquivar o projeto, mantendo válido o decreto que permite o “cabide de empregos” para servidores que ainda deveriam estar sendo avaliados em sala de aula.
O que está em jogo: Técnica x Política
A decisão da Comissão de Legislação (CLJR) de arquivar o projeto gera um precedente administrativo e jurídico relevante para o município.
Ao rejeitar uma proposta avalizada pela Consultoria Jurídica da Casa, os vereadores da comissão optaram por manter a vigência de um artigo de um decreto (norma de menor hierarquia) que colide frontalmente com a Lei Ordinária nº 4.362/2015 (norma superior).
O arquivamento levanta questionamentos sobre a segurança jurídica da gestão municipal. Enquanto a lei proíbe expressamente que professores em estágio probatório atuem fora de suas funções para garantir a qualidade do ensino e a correta avaliação do servidor, a decisão política da comissão válida a prática contrária.
Restam, portanto, perguntas técnicas que a decisão do relator não respondeu:
- Qual o embasamento para que um decreto administrativo tenha mais peso do que uma Lei Ordinária aprovada em plenário?
- Ao ignorar o parecer técnico favorável à correção da norma, qual é o ganho real para a administração pública em manter servidores sem avaliação completa em cargos de confiança?
A manutenção deste cenário sugere que, neste caso, a articulação política se sobrepôs à técnica legislativa, deixando a Lei própria do Magistério, na prática, sem eficácia neste ponto específico.















