Um levantamento da Gazeta do Povo revelou que 96 organizações não governamentais podem ser beneficiadas pelo Fundo Nacional de Reparação Econômica e Promoção da Igualdade Racial, criado pela PEC 27/2024, em tramitação no Congresso.
Parte dessas entidades já recebeu milhões de reais em emendas parlamentares nos últimos anos, majoritariamente de deputados ligados à esquerda, o que reacendeu o debate sobre a governança e o possível uso político do novo fundo, estimado em R$ 20 bilhões fora do teto de gastos.
A proposta, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, prevê a criação de um fundo bilionário destinado a financiar ações sociais, culturais e econômicas voltadas à população negra.
A discussão, antes centrada em questões de constitucionalidade e críticas sobre “privilégios raciais”, agora foca na transparência da aplicação dos recursos e no risco de transformar o mecanismo em uma nova modalidade de “emendas disfarçadas”.
Parlamentares da oposição avaliam que a medida pode perpetuar o repasse contínuo de recursos a organizações privadas historicamente ligadas a partidos de esquerda. Já o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), nega o caráter político e afirma que o objetivo é fortalecer políticas públicas estruturadas, e não financiar ONGs.
“Democracia pressupõe liberdade de expressão e cada um pode falar o que quiser. Mas ainda nem há um parecer pronto. Não consigo compreender como se critica algo que ainda não existe”, declarou Silva, ressaltando que o modelo de governança ainda está em elaboração.
Governança e transparência em discussão
A PEC estabelece que o fundo terá natureza privada, sob administração de uma instituição financeira federal, e contará com aportes mínimos de R$ 20 bilhões ao longo de 20 anos, valor que ficará fora das travas do novo arcabouço fiscal.
No entanto, o texto não detalha os critérios de escolha de beneficiários nem os mecanismos de fiscalização, que deverão ser definidos por uma lei complementar em até 180 dias após a promulgação.
A diretora-executiva da Transparência Brasil, Marina Atoji, alertou que a natureza privada do fundo pode reduzir o controle social e a transparência dos repasses. “O controle social e a fiscalização ficam prejudicados. É preciso impor parâmetros objetivos e impedir repasses a entidades com dirigentes parentes de políticos ou grandes doadores eleitorais”, afirmou.
Segundo Atoji, o formato ideal de gestão deve seguir modelos de governança colegiada, com participação social e fiscalização efetiva, como ocorre no Fundo Amazônia.
Entidades e histórico de repasses
O levantamento da Gazeta do Povo mostra que, entre 2020 e 2025, ONGs da pauta racial receberam mais de R$ 87 milhões em emendas parlamentares.
Os partidos que mais destinaram recursos foram PT, PSOL e PCdoB. Entre as entidades que mais receberam estão o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), com R$ 12 milhões; a Organização Popular de Articulação e Assessoria (OPA), com R$ 11 milhões; e o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), com R$ 5,5 milhões.
Em resposta, o IPN afirmou que as críticas de aparelhamento não procedem e que as emendas representam “uma forma mínima de reparação histórica diante do racismo estrutural”.
Tramitação e próximos passos
A PEC segue em análise pela Comissão Especial da Câmara, que deve concluir o texto final antes da votação em dois turnos no Plenário, etapa que exige apoio de três quintos dos deputados. Se aprovada, a proposta seguirá para o Senado Federal, onde passará por novo debate.
O Ministério da Igualdade Racial, em nota, defendeu a criação do fundo e destacou que ele já estava previsto no Estatuto da Igualdade Racial, como parte do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir).
A pasta afirmou que o modelo em discussão busca se inspirar em boas práticas de outros fundos públicos e prevê um conselho participativo para definir prioridades de investimento.
















