Por vezes, o Brasil parece se equilibrar na corda bamba entre o caos e o colapso — e, em meio a esse cenário, existe uma estrutura que, apesar de cambaleante, ainda impede que milhões caiam no abismo: o SUS.
É comum ouvirmos, com frequência em determinados setores da sociedade, imbuídos de um sentimento de revolta, que o Sistema Único de Saúde é um fracasso, uma aberração estatal que se resume a gerar prejuízo. Mas será que o Brasil, este país com 100 milhões de pessoas em situação de pobreza ou vulnerabilidade, sobreviveria uma semana sem ele?
O SUS é uma dessas instituições que, apesar das falhas crônicas, se tornou um alicerce invisível da nação. Quando uma criança de classe média é vacinada, há SUS. Quando um medicamento passa por critérios rígidos de avaliação da ANVISA antes de chegar às farmácias, há SUS. Quando um surto de dengue é contido, há SUS. Mesmo quem paga plano de saúde privado se beneficia, todos os dias, da existência dessa engrenagem pública.
A atuação da ANVISA — vinculada ao SUS — vai além dos medicamentos, alcançando também a fiscalização da qualidade de alimentos, da água potável e de inúmeros produtos que consumimos diariamente.
Contudo, reconhecer sua importância não significa ignorar suas feridas. O SUS é, também, palco de escândalos de corrupção, má gestão endêmica, filas intermináveis e estruturas sucateadas. Em muitos rincões do Brasil, saúde pública é sinônimo de abandono institucional.
A ausência de médicos, a precariedade de ambulatórios, a espera desumana por exames e cirurgias são realidades gritantes. O brasileiro, em sua rotina de dor, espera não apenas atendimento — espera milagre.
Mas não se trata apenas de dinheiro. O Brasil investe cerca de 9,6% do PIB em saúde (World Bank, 2023), uma porcentagem próxima a países desenvolvidos. O problema não é só quanto entra, mas para onde vai — e para quem.
O ralo da corrupção e da má gestão, já denunciado por relatórios do TCU (2023) e estudos da FGV (2015), engole bilhões todos os anos. O problema é estrutural, político e moral.
Por isso, talvez a pergunta não deva ser “o SUS precisa acabar?”, mas sim: “por que o SUS ainda não funciona como deveria, mesmo depois de 30 anos de existência e trilhões de reais investidos?” A resposta, como tudo no Brasil, é complexa.
A má distribuição de responsabilidades entre União, Estados e Municípios, a politização da saúde pública, o clientelismo regional, a falta de controle social efetivo e a cultura da barganha — tudo isso forma o caldo grosso da ineficiência.
A saída não está, ao menos por ora, na utopia liberal de privatizar tudo. Nem no conformismo estatista de defender o SUS como um totem sagrado e intocável. Meu viés conservador me afasta dos extremos.
A saída está na cobrança, na consciência de que o SUS não é “de graça” — ele é pago, e muito bem pago, pelos impostos mais cruéis do planeta. O cidadão precisa saber que exigir saúde pública de qualidade não é pedir favor ao Estado, é exigir o retorno legítimo de sua contribuição.
Não é possível romantizar um sistema que mata de inércia. Tampouco é justo demonizar o único fio de esperança que muitos brasileiros ainda têm. O SUS, com todos os seus defeitos, ainda é o que separa a barbárie da civilização em um país onde mais da metade não tem acesso sequer ao saneamento básico.
Por isso, talvez a frase correta seja: o SUS precisa renascer — limpo, eficiente, gerido por gente séria. Porque, se acabar, junto com ele pode acabar o último resquício de humanidade institucional que ainda resta ao Brasil.