No meio de uma semana conturbada politicamente, acordo logo cedo, ligo o noticiário como de costume e me deparo com a seguinte manchete: “Câmara aprova PEC da Blindagem”.
Como de praxe, busco aprofundar o entendimento acerca do tema para então chegar a um entendimento mais sólido – mas reconheço que o aprofundamento que reiteradamente exerço não é garantia de análise satisfatória, dada a pouca experiência que possuo.
Confesso que, nesta busca, como se diz popularmente, vi de tudo. O poderio bélico brasileiro é ímpar e de alta performance quando o assunto é guerra de narrativas. Há quem diga que esta PEC é a vitória da impunidade; há quem diga que ela é a garantia de mais regalias a políticos.
Para o presidente da Câmara Federal, deputado Hugo Motta, é uma oportunidade de – em minhas palavras – frear atropelos e abusos vistos contra parlamentares.
Muitas vezes faço o esforço de trazer para fora do campo da paixão, da torcida organizada, da crença, os “alguns que ainda leem” minhas opiniões, como disse alguém ressentido. Este assunto contempla tantas faces que se torna inviável abordar todos os pontos nesta coluna.
Vejamos: a PEC da Blindagem traz como ponto principal, e talvez mais polêmico, a imposição ao STF de receber aprovação do Congresso Nacional para abrir ações penais contra parlamentares.
Em outras palavras, se o STF quiser iniciar um processo contra um senador, por exemplo, precisará solicitar ao Senado essa autorização. Quero destacar que estou sendo bem genérico neste exemplo. Tratando desta celeuma, há um projeto aprovado, de autoria do ex-senador Álvaro Dias, que acaba com o foro privilegiado que beneficia mais de 54 mil servidores.
Isto é um absurdo, é um escarro na cara do brasileiro. Me perdoem a expressão, mas é algo muito nojento, de fato.
Uma enxurrada de situações posso apontar:
- um projeto para acabar com o foro privilegiado já existe;
- a existência do foro privilegiado é a garantia de perpetuação de um complô de ministros do STF contra alguns congressistas ou, de outro modo, um complô de mãos dadas com outros parlamentares, onde, em suma, um come na mão do outro e se protegem;
- o próprio art. 53 da Constituição Federal já trata de matéria semelhante, quanto à imunidade parlamentar e às hipóteses de prisão de políticos; e
- o quanto o Congresso é refém do STF.
Mas preciso, juntamente com todos, constatar algo: nossa democracia passou por uma cirurgia de ressignificação conceitual e hoje ela é qualquer coisa, menos democracia. Talvez não haja precedente histórico para que possamos adotar um nome anteriormente utilizado.
O diagnóstico é evidente, mas esta não é uma conversa para manter sem um critério racional entre as partes. Temos, no mínimo, que concordar que a grama é verde. Deste modo, direciono este escrito apenas aos brasileiros racionais.
É repugnante vermos políticos utilizarem suas prerrogativas para produzirem no cólon (com aquele ar de altivez e intelectualidade que enoja) qualquer lei e a aplicarem a si próprios. Esta proposta, PEC da Blindagem ou PEC das Prerrogativas, é o atestado de vassalagem, é o diploma que concede o título de fraqueza a este Congresso medroso.
O que estamos assistindo são precisamente dois presidentes covardes, tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, buscando para onde correr e se esconder, assim como vemos quando nosso vira-lata caramelo morde o sapato favorito e, depois de um grito, sai em disparada como se nada tivesse feito, com medo do que possa acontecer.
Em suma, foro privilegiado para quê? São vigorosos demais para serem julgados nas primeiras instâncias do Judiciário? Os juízes de 1ª e 2ª instâncias, por acaso, são incompetentes ou desqualificados? Em que se diferem de nós, meros eleitores? O que se percebe é que o poder escapou pelos dedos.
O que percebemos facilmente é que há desejo por parte dos políticos de se protegerem na atual conjuntura política e jurídica, buscando trabalhar sem a represália do Supremo Tribunal Federal.
Mas este é apenas mais um sintoma do diagnóstico de covardia crônica do Congresso. Políticos justificam este projeto, mas, enquanto as vozes deles retumbam distante, a situação grita: “O Brasil não passa por um momento normal!”.
O povo não possui o poder que a Constituição Federal fantasiou; os freios e contrapesos foram devaneios. Nem “terra de ninguém” é. É alguma coisa, não sabemos o que, mas é qualquer coisa, menos democracia.