Em Foz do Iguaçu, um episódio recente escancarou um problema cada vez mais comum na política brasileira.
A secretária de Obras, Thaís Escobar, foi apontada em denúncias como possível atravessadora de THC — o composto psicoativo da maconha, encontrado em cigarros eletrônicos. Áudios, suposto “cardápio” e até comprovantes de PIX teriam sido ligados a um esquema de vendas ilícitas.
Diante do escândalo, a defesa veio em vídeo: “sou a primeira mulher a ocupar a Secretaria de Obras de Foz do Iguaçu. Tenho um currículo sólido, construído com muito estudo, dedicação e resultados ao longo da minha carreira. E justamente por isso, incomoda tanto ver uma mulher em um espaço de liderança.”
O problema é que não há nada de errado em ser mulher e ocupar cargos de liderança — ao contrário, isso deve ser celebrado e ampliado.
Mas quando a condição de gênero é usada como escudo para fugir da cobrança legítima, há algo de profundamente errado.
Afinal, até agora, a secretária não apresentou entregas concretas à frente da pasta. As críticas que recebe não decorrem de sua condição de mulher, mas da falta de resultados na gestão e, agora, da gravidade da denúncia que precisa ser esclarecida.
É nesse ponto que a manipulação se revela perigosa. Transformar cobranças administrativas ou denúncias criminais em supostos ataques misóginos não fortalece a luta por igualdade — apenas a banaliza.
E quando a secretária da Mulher, Scheila Melo, entra em cena para afirmar que críticas à gestão seriam “violência política de gênero”, estamos diante de um atalho perigoso: a substituição da responsabilidade por narrativas.
O que deveria ser enfrentado com provas e respostas vira espetáculo retórico. O que deveria ser apurado com rigor vira denúncia de perseguição. E o que deveria ser cobrado como resultado de gestão vira “incômodo por ser mulher”.
Essa inversão é letal. Porque ao usar a vitimização como blindagem, a secretária não apenas tenta escapar de críticas legítimas — ela também compromete a credibilidade de mulheres que enfrentam, de fato, o machismo nos espaços de poder.
Ao transformar uma denúncia concreta em “perseguição por ser mulher”, o risco é que a sociedade passe a duvidar até das denúncias reais.
É preciso dizer sem rodeios: a luta por igualdade não pode ser distorcida em álibi pessoal para acobertar falhas ou irregularidades. Estar em um espaço de liderança é motivo de conquista, mas não pode ser convertido em salvo-conduto contra críticas legítimas ou investigações sérias.
Denúncias precisam ser investigadas com rigor. Se forem falsas, que se prove inocência. Se forem verdadeiras, que se assuma a responsabilidade.
Mas transformar toda crítica em misoginia é trair o princípio da igualdade que se pretende defender.
A democracia se sustenta na verdade, na transparência e na responsabilidade. Quando esses valores são substituídos por narrativas de vitimização, não apenas a gestão pública perde — toda a sociedade é arrastada para a farsa.
A era da vitimização pode proteger indivíduos no curto prazo. Mas, no longo prazo, destrói a confiança, desmoraliza causas legítimas e deixa a sociedade inteira vulnerável.
Porque quando o rótulo vira escudo, a verdade desaparece.
No fim, a maior tragédia não é a acusação em si, mas a inversão perversa que transforma a verdade em detalhe e a narrativa em escudo.
Quando o erro deixa de ser investigado porque se veste de rótulo, não é apenas a política que apodrece — é a própria confiança da sociedade em suas lutas mais legítimas.
E nesse instante, não é só uma secretaria que se perde: é a noção de justiça que se esfarela, silenciosa, diante de todos.
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Nota do autor: Este texto é uma reflexão crítica, sem emoção ou desmerecimento à condição feminina. Não se trata de negar a violência de gênero, mas de reconhecer que ela não pode ser instrumentalizada para proteger condutas irregulares. O objetivo aqui é trazer luz por uma ótica diferente: a de que causas legítimas só se fortalecem quando não são usadas como álibi para o indefensável.