Enquanto o povo de Foz do Iguaçu aguarda, com a paciência esgotada, por meses a fio por uma consulta médica; enquanto pisa em crateras onde deveria haver asfalto de qualidade, a Câmara Municipal decidiu que sua verdadeira prioridade é garantir R$ 550 (quinhentos e cinquenta reais) mensais de auxílio-alimentação para seus assessores comissionados — cargos de confiança, fruto de indicações políticas, cujos salários já superam, e muito, os R$ 11.000 (onze mil reais).
Isso não é uma distorção pontual. É um sintoma crônico e avassalador de um poder público que se entrincheira, se sustenta e, acima de tudo, se serve impudicamente, à margem da realidade que castiga a maioria.
Um montante chocante de R$ 475.200 (quatrocentos e setenta e cinco mil e duzentos reais) por ano será drenado dos cofres públicos para o conforto de um grupo restrito de 73 apadrinhados.
Em apenas quatro anos, estaremos falando de quase R$ 2 milhões (dois milhões de reais). Um valor que seria suficiente para, por exemplo, equipar diversas unidades de saúde ou revitalizar vias urbanas há muito esquecidas.
Mas, em vez de investir no bem-estar coletivo, o dinheiro público é descaradamente desviado para manter o conforto de quem já desfruta de posições privilegiadas — blindados da instabilidade e da escassez que dilaceram a vida do cidadão comum.
A justificativa? Uma ofensa ainda maior: ela simplesmente não veio. Nem mesmo o mais ínfimo gesto simbólico de tentar explicar o inexplicável. O projeto foi aprovado com uma celeridade incomum, em turno único, sem o devido debate público, sem o escrutínio que a transparência exige.
Não houve hesitação quando o benefício era para os “de dentro”. A lentidão habitual da política, que trava a vida do cidadão, deu lugar à agilidade de um relâmpago — mas apenas quando se trata de blindar e ampliar os próprios interesses. Essa seletividade é um tapa na cara da sociedade.
Pior ainda: o projeto original visava, em sua essência, melhorar o auxílio-alimentação de servidores concursados — aqueles que ingressaram por mérito, por sua competência, e que, muitos deles, recebem vencimentos defasados e lutam incansavelmente por reajustes salariais justos, como os professores de nossa cidade, que enfrentam a defasagem diária em seus salários.
Mas o texto foi desfigurado, apropriado, modificado para contemplar um grupo que já não conhece a vulnerabilidade. A prioridade inverteu-se de forma perversa. De novo. E com ela, a lógica fundamental que deveria reger o serviço público: servir ao povo.
Apenas 5 vereadores tiveram a decência e a coragem de votar contra essa aberração. Os demais, incluindo a mesa diretora, agiram como se a moralidade fosse um luxo dispensável, como se fosse absolutamente normal transformar uma pauta de justiça funcional em mais um privilégio autopromovido.
Agora, num movimento calculado para desviar o foco da indignação, cogita-se estender o auxílio a conselheiros tutelares — não por um compromisso genuíno com a causa social, mas como uma descarada cortina de fumaça. Para diluir a crítica, para suavizar o escândalo que eles mesmos criaram.
Não é apenas o valor em si que causa tamanha indignação. É o padrão. É a repetição nauseante do comportamento de uma engrenagem pública que gira para manter seus membros em um conforto obsceno, mesmo que isso custe a dignidade e a esperança de quem está do lado de fora.
Enquanto faltam remédios nos postos de saúde, sobram regalias nos gabinetes. Enquanto o sistema de saúde colapsa em superlotação, há gabinetes fartos de penduricalhos.
A desigualdade não nasce apenas da pobreza — ela é brutalmente cultivada na omissão e na conveniência de quem, por dever de ofício, deveria combatê-la com veemência.
Foz do Iguaçu tem demandas urgentes, vitais. Mas a máquina pública insiste em operar como se a cidade fosse apenas um mero pano de fundo para seu teatro particular de autopreservação e privilégios.
A pergunta que precisa ecoar com força nas ruas, nas escolas, nas unidades de saúde e nas redes sociais é simples, direta e implacável: quantas vidas melhorariam, quantas famílias seriam impactadas positivamente, com os R$ 2 milhões de reais que agora serão usados para alimentar o sistema que se alimenta de si mesmo?
Se a população não reagir com a indignação que este ato merece, o absurdo será naturalizado, transformando a exceção em regra. E a Câmara seguirá legislando como se sua missão fosse garantir mordomias e privilégios para poucos — e não, como deveria ser, promover a justiça social e o bem-estar para todos.
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Este editorial expressa a posição do Diário das Águas diante da manutenção de privilégios públicos que não resistem a nenhum teste de moralidade, em um tempo em que cada centavo deveria ser investido no bem comum.