Era uma vez uma infância com tédio. E dentro do tédio, nasciam castelos de cartas, carrinhos de rolimã, cabanas de lençol.
O tempo parecia demorar mais — e ainda assim, passava com mais sentido. Hoje, o tédio virou inimigo. E foi derrotado pelo deslizar do dedo.
Vivemos a era dos vídeos curtos: rápidos, engraçados, coloridos, estúpidos. Alguns até informam, é verdade — mas são poucos. O que prevalece é o estímulo constante, imediato, ininterrupto. Pula de um para outro como quem zapeia neurônios. Um looping infinito que não exige esforço, apenas presença ocular.
Mas o problema não está nos vídeos. Está em quem — ou no que — permitimos que ocupe o lugar de educador.
E aí entra o ponto mais sério: esses dispositivos estão, de fato, educando no lugar dos pais. Não por escolha consciente, mas por omissão cotidiana.
Pais exaustos, desinformados ou despreparados entregam o celular como calmante, como babá digital. “Fica quieto aí, filho” — e o algoritmo obedece.
Oferece dancinhas, gritos, desafios idiotas e opiniões embaladas como entretenimento. Alimenta o cérebro da criança sem exigir mastigação. Tudo desce fácil — como fast food mental.
A tragédia está no silêncio: enquanto a criança desliza a tela, os adultos deslizam responsabilidades.
Poucos percebem que não estão apenas cedendo o celular por quinze minutos de paz, mas estão cedendo a formação afetiva, cognitiva e moral para uma máquina que não ama, não educa, não se responsabiliza.
Os vídeos curtos moldam o olhar. Ensinaram que pensar demais é chato, que tudo precisa ser “em até trinta segundos” e que quem não prende atenção nos primeiros três está fora do jogo.
O mundo se fragmenta, o pensamento se acelera, a empatia se encurta. O jovem, acostumado à recompensa imediata, se irrita com o livro, boceja na sala de aula, rejeita a conversa lenta — e desiste do mundo real.
A tela venceu o diálogo. Venceu a autoridade afetiva dos pais. Venceu o jantar em família, a hora da leitura, a escuta atenta. E quando percebermos o estrago, talvez seja tarde demais.
Claro que tecnologia pode educar — mas não educa sozinha. A ausência dos pais não é suprida por um tablet. A formação do caráter não cabe em reels.
O senso crítico não floresce ao som de trend. E a infância, quando privatizada por algoritmos, deixa de ser infância para virar mercado.
Enquanto os adultos não assumirem o protagonismo da criação dos filhos — com presença, limites e propósito — continuaremos criando gerações que pensam com cortes de vídeo, sentem com base em comentários e aprendem a existir apenas quando alguém os assiste.
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Mensagem do autor: Espero que este espaço se torne, acima de tudo, um ponto de reflexão livre e honesta — mesmo quando os temas forem desconfortáveis.