A liberdade de expressão não é apenas um direito individual, ela é a espinha dorsal de qualquer democracia que se pretenda saudável e longeva. É no embate entre as ideias, no choque de opiniões, no confronto das divergências que podemos vislumbrar, ainda que pequenos, alguns fragmentos da verdade.
Jamais a totalidade, pois a verdade completa não cabe na limitação humana.
Como defendia John Milton, a liberdade de imprensa e de expressão é essencial porque permite que a sociedade discuta, critique e confronte perspectivas, revelando o que é mais próximo do real e da verdade, em meio à diversidade de pensamentos.
Mas quando as prerrogativas de definir estes limites se concentra nas mãos de poucos, a democracia não apenas se fragiliza: ela corre sérios riscos. Entregar a alguns indivíduos o poder de decidir o que pode ou não ser dito é como entregar a chave do debate público ao arbítrio humano.
Embora muitos pareçam ter esquecido, humanos são falhos, subjetivos, suscetíveis a paixões e conveniências. A história mostra que concentrar poder absoluto quase sempre termina em censura e desigualdade.
Democracias surgiram justamente para limitar o poder dos poucos e proteger o espaço do povo, elevando este ao status de verdadeiro soberano.
No Brasil, a liberdade de expressão já possuía certa previsão desde a Constituição de 1824, e era relativamente respeitada à época — tanto que o próprio imperador era frequentemente confrontado e criticado pela imprensa, sem que se instalasse um regime autoritário.
No entanto, a maior parte da nossa história republicana se deu sob intensa violação desse direito, marcada pelo autoritarismo, pela censura e pela criminalização da opinião contrária aos detentores do poder.
Essa trajetória revela uma inclinação persistente no país para que alguns poucos, autoproclamados “iluminados”, assumam o papel de decidir o que é certo ou aceitável, impondo limites à expressão e fragilizando a pluralidade democrática.
Hoje observamos o Poder Judiciário assumindo, muitas vezes, um papel próximo ao de “moderador absoluto” do que circula no debate público. Cada decisão, ainda que bem-intencionada, carrega consigo o risco de silenciar vozes dissonantes e moldar o debate segundo a subjetividade de poucos.
A pergunta que permanece é clara: quanto da nossa democracia e liberdade estamos dispostos a sacrificar, a abrir mão, em nome de que alguns soberanos do poder possam nos determinar o que é “aceitável”, “verdadeiro” ou, pior, “permitido” que pensemos?
A democracia não se constrói com censura velada e nem com decisões isoladas ou autoritárias de alguns que imaginam saber qual o único caminho admissível e correto — uma herança do ultrapassado positivismo que ainda carregamos.
A democracia se constrói através do livre mercado de ideias, no confronto, na divergência e na capacidade de ouvir e ser ouvido.
Se abrirmos mão desde princípio, o princípio que sustenta todo o conceito de Estado livre e democrático e que tanto custou à humanidade para ser conquistado, mesmo que sob justificativas legais ou morais, estaríamos permitindo que uma pequena “casta” decida por todos.
Quando isso acontece, a liberdade de expressão deixa de ser um direito e se torna mero privilégio de alguns, privilégio este que acaba ancorado sobre o silêncio da multidão.