Vivemos tempos em que os fatos, antes considerados pilares do debate público, passaram a ser vistos como obstáculos incômodos.
Em vez de servirem como referência para a formação de opiniões, tornaram-se alvos de distorções para acomodar convicções pré-estabelecidas.
O que antes se chamava de diálogo baseado na razão está, cada vez mais, dando lugar à disputa de narrativas moldadas sob medida para confortar crenças pessoais, mesmo que em flagrante contradição com a realidade.
O viés que divide
Esse fenômeno, identificado pela psicologia como viés de confirmação, tem se tornado uma epidemia silenciosa. Em vez de enfrentarem o desconforto de rever um ponto de vista diante de novas evidências, muitas pessoas preferem reinterpretar os fatos — ou simplesmente negá-los — para manter intacta sua visão de mundo.
É como tentar forçar uma peça em um quebra-cabeça só para não admitir que ela não se encaixa. Essa tendência não é apenas uma questão individual, mas um problema coletivo com consequências graves.
A verdade factual está sendo substituída por versões convenientes da realidade, muitas vezes impulsionadas por algoritmos, bolhas digitais e discursos populistas que lucram com a polarização.
Em nome da “minha verdade”, nega-se a verdade comum — aquela baseada em dados verificáveis, em ciência, em investigação jornalística séria.
A encruzilhada democrática
Estamos, portanto, diante de um dilema: continuar distorcendo os fatos para proteger certezas pessoais ou recuperar o valor da dúvida, da escuta e da revisão de opinião?
A primeira escolha leva à fragmentação do tecido social, à radicalização e ao descrédito das instituições.
A segunda exige coragem, maturidade e, sobretudo, humildade — virtudes que andam em falta, mas que são mais urgentes do que nunca.
No Diário das Águas, seguimos comprometidos com os fatos. Não porque sejam confortáveis, mas porque são necessários.
O jornalismo não existe para confirmar o que se deseja ouvir, mas para apresentar o que precisa ser conhecido — mesmo que isso desagrade, confronte ou obrigue a repensar.
Que nunca percamos a capacidade de nos deixar mudar pela verdade.