Há um princípio silencioso, mas essencial, que sustenta o serviço público: a estabilidade não é privilégio, é conquista.
E conquistar exige tempo, avaliação e, sobretudo, coerência entre o que se faz e o que se prometeu ao assumir o cargo.
No magistério municipal, essa coerência tem nome, número e parágrafo: Lei nº 4.362/2015, o Plano de Carreira dos Profissionais da Educação Básica de Foz do Iguaçu.
A lei é clara. Mas, por aqui, a nitidez do texto legal parece se dissolver no mel da conveniência política.
Não há brecha. Não há vírgula interpretável. Não há “entendimento técnico” que sobreviva à letra fria da lei.
Mesmo assim, a Secretaria Municipal de Educação segue nomeando professores em estágio probatório para cargos de direção, coordenação e assessoramento, funções que a própria legislação proíbe de forma categórica.
Hoje, são mais de 40 servidores nessa condição. O problema não é pontual, é sistêmico.
Um sistema que se retroalimenta da omissão e da conveniência.
A nomeação da professora Aline Bandeira Laufer, para o cargo de Diretora de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação Especial, é apenas o exemplo mais evidente, não o único.
Ela ainda está em estágio probatório e, mesmo assim, ocupa uma função estratégica que a lei expressamente veta.
Essa nomeação é a ponta visível de uma engrenagem que opera à margem da legalidade, com o aval do próprio poder público.
Mesmo diante de denúncias formais e questionamentos públicos, a Secretaria de Educação segue fingindo normalidade.
Convocada pela Câmara Municipal, a secretária Silvana Garcia afirmou que as nomeações seguem “todas as normas legais”, citando inclusive a Lei nº 4.362/2015 (Plano de Carreira dos Profissionais da Educação), justamente a que veta frontalmente tais nomeações.
Na mesma fala, sustentou que “não existe vedação legal para que servidores em estágio probatório exerçam funções de chefia ou confiança”.
E, para justificar o injustificável, invocou o Decreto nº 27.047/2019, um texto que, em vez de regulamentar a lei, a confronta de forma descarada.
O Decreto em seu Art. 6º traz o seguinte:
“O servidor que, no decorrer do período de estágio probatório, afastar-se do cargo por motivo de nomeação de cargo em comissão, de direção, chefia ou assessoramento ou, ainda, por outro motivo que impossibilite a avaliação do mesmo, a avaliação especial de desempenho e a contagem do tempo de efetivo exercício para este fim será suspensa, reiniciando após o retorno as atividades do cargo efetivo para o qual prestou concurso público.”
No entanto, a Lei nº 4.362/2015 é taxativa:
“Durante o período da avaliação do estágio probatório, o profissional da educação básica não poderá ser cedido ou colocado em função adversa daquela para a qual prestou concurso público, sob pena de responsabilização da chefia imediata.”
Ou seja, o decreto tenta reinventar o que a lei já definiu com absoluta clareza. E isso não é interpretação, é afronta.
Ao ser questionada pela vereadora Yasmin Hachem se reconhecia que o decreto extrapola sua função e contraria a legislação, a Secretária de Educação teve a audácia de dizer que se trata de “questão de entendimento”.
Curioso, já que, minutos antes, havia afirmado conhecer perfeitamente a hierarquia das leis no Brasil.
Fica evidente: a secretária distorce o texto legal e finge existir uma flexibilidade que o legislador jamais previu.
Nenhum decreto pode abrir caminho onde a lei fechou a porta.
Nem o prefeito, nem a secretária, nem o procurador têm poder para reescrever a hierarquia das normas, embora tentem.
E aí entra o procurador do município, que deveria ser o guardião da legalidade e se torna o advogado do absurdo.
Em defesa da secretária, reafirmou que o decreto vale mais que a lei e, em tom de deboche institucional, perguntou à comissão: “Se ninguém questionou antes, por que questionam o decreto agora?”
A resposta é simples: porque o erro que se repete não se torna costume, se torna vício. E vício administrativo é o que há de mais corrosivo numa gestão.
Em qualquer gestão minimamente comprometida com a legalidade, esse decreto deveria ser revogado ou, no mínimo, corrigido com urgência para deixar de afrontar a lei.
Em Foz, virou escudo para o erro, um manual de conveniência para quem prefere o improviso à integridade.
O estágio probatório é o tempo em que o professor deve provar sua competência em sala de aula, não em gabinete.
Quando esse princípio é violado, o probatório deixa de ser critério técnico e vira moeda política.
O mel de Aline, portanto, é o mel da ilegalidade: doce na aparência, amargo na essência.
Escorre sobre discursos de “experiência profissional”, “perfil” e “formação”, enquanto corrói a lei, a moral e a lógica administrativa.
A secretária mente diante de professores e vereadores, o procurador chancela a mentira com sua assinatura, e o prefeito assiste em silêncio, como quem confunde omissão com lealdade.
A cada ato, o poder público cava mais fundo o fosso entre a legalidade e o cinismo.
E o resultado é esse: um município onde o errado vira hábito, o hábito vira regra, e a regra vira piada.
Em Foz do Iguaçu, a lei segue escrita, mas a vergonha na cara parece ter sido revogada.
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Nota do autor: Esta reflexão não é sobre nomes, mas sobre princípios. Não é contra pessoas, mas contra a normalização do “erro”. Porque quando a ilegalidade é tratada como rotina e a mentira se traveste de argumento, o perigo não está apenas nos que “erram” — está em todos que assistem calados.































