É fato, para qualquer brasileiro que se preze, a seguinte constatação: “Há coisas que só existem no Brasil.” É por isso que o julgamento do momento, sobre o tal “golpe” sem golpe, me lembrou de um estilo igualmente típico do nosso país — um subgênero cinematográfico tão escrachado quanto o processo em curso: a pornochanchada. Vários elementos permitem a comparação, e posso citar alguns.
Para começar, o suposto moralismo e a falsa formalidade que cercam o julgamento — ainda que tudo leve a crer o contrário — apenas para dar aquele “ar” de retidão e normalidade.
Outro ponto é o quão caricato se tornou o espetáculo, e seus personagens. E nem coloco “personagens” entre aspas: alguns estão, de fato, interpretando papéis.
Temos o delator “espontâneo”, que claramente não sabe o que diz e tenta moldar os relatos à medida do que parece ser obrigado a declarar.
Temos o “juiz imparcial”, que jura não ter questões pessoais envolvidas, mas que pergunta diretamente ao delator se, nas tais reuniões para tramar o golpe, ele mesmo foi citado ou ofendido (!).
Há também a figura de um Procurador, que deveria representar um órgão independente, mas que parece seguir ordens em cada pergunta. Por fim, um advogado faminto, pedindo alteração do horário da sessão para fazer um… “lanche”.
Como nas clássicas pornochanchadas, o enredo é recheado de personagens dúbios, cômicos e estereotipados. Um juiz autoritário. Um delator que tropeça nas próprias versões e dá três ou quatro respostas diferentes para a mesma pergunta.
Repetições nauseantes de expressões como “eu acho”, “não tenho certeza”, “não lembro bem”, “não sei em qual dia”, entre outras tão convictas quanto a resposta de uma criança que nega ter feito o que obviamente fez. Cenas tragicômicas.
A narrativa foi montada sobre um emaranhado de informações desconexas. Por diversas vezes, o Ministro relator reformulou as perguntas feitas ao delator, tentando facilitar a resposta.
Quando se cansou de ajudar, passou a responder por ele, apenas confirmando com um “foi isso mesmo?”. Um julgamento tão imparcial quanto a resposta de uma mãe ao ouvir do filho: “Mãe, eu sou bonito?”
Mas o problema é que não se trata de um filme. Se fosse — ainda que de péssima qualidade — ao menos renderia risos. Trata-se de um julgamento na Suprema Corte do país.
Talvez algumas autoridades estejam agora arrependidas por transmiti-lo em rede aberta. Foi constrangedor. Qualquer um que assista, com o mínimo de sanidade moral, sentirá vergonha alheia. Os olhares. Os desencontros nas versões. As tentativas de conduzir as respostas de Mauro Cid para que soassem menos contraditórias. Tudo muito trágico.
A pergunta que fica é: ainda podemos ter esperança? Ainda é possível vislumbrar imparcialidade, ou sonhar com Justiça com J maiúsculo? Será que ainda há chance de o bom senso e a sanidade voltarem a ocupar o lugar de onde nunca deveriam ter saído?
São muitas perguntas — em um país dividido, não só pela polarização política, mas por mazelas profundas — enquanto parte da elite institucional parece viver em outro mundo. Um mundo paralelo, onde a lógica, a verdade e a dignidade foram abandonadas no roteiro.