O quanto daquilo que pensamos ser real é, de fato, real? Quanto de tudo aquilo em que acreditamos não passa de algo que nós mesmos criamos para poder crer? É uma pergunta dura, difícil, e que se esconde num lugar muito particular: nosso inconsciente.
Se você pensa em começar a ler este texto esperando encontrar uma resposta definitiva, lamento lhe frustrar — e dar um spoiler do fim —, mas ela não está aqui.
Uma coisa podemos arriscar dizer que é verdade: muitos pensadores se sentiram tentados e provocados a definir o que é a realidade. O que seria o real, a verdade, aquilo em que poderíamos, de fato, confiar?
Parece algo intrínseco ao ser humano tentar responder às perguntas que permeiam o grande mistério que é a nossa existência. Pensar, provavelmente, seja o maior deles.
As respostas começaram a surgir ainda na Grécia, com figuras como Sócrates, Platão e Aristóteles — os big three da nossa querida e amada Grécia Antiga. Embora um tenha sido sucessor e discípulo do outro, suas respostas foram bastante distintas.
Sócrates buscava encontrar a verdade por meio de um processo dialético, um confronto de ideias e argumentos, tentando extrair a essência última das coisas.
Platão, mais refinado na elaboração dos seus pensamentos, acreditava que a verdade e aquilo que é de fato real e confiável residem no “Mundo das Ideias”, uma instância ideal e primordial, onde se encontra a versão original do mundo — do qual vemos apenas sombras, como imortalizado em seu “Mito da Caverna”.
Aristóteles, discípulo de Platão, colocava mais fé naquilo que é tangível, experienciável, no que pode ser verificado empiricamente pelos sentidos. Depois deles, centenas de outros vieram.
O fato é que nunca conseguimos comprovar cabalmente nenhuma dessas explicações. Por muitos séculos, estivemos focados naquilo que se podia ver e tocar — a parte física da existência —, sem respostas razoáveis para tudo o que a mente exigia explicar.
Até que, em dado momento, um médico polêmico surgiu e trouxe um novo elemento ao debate: a mente humana possui uma camada inconsciente — e ela exerce influência real sobre nossas escolhas.
Claro, ele não foi o primeiro e único a falar sobre isso, mas foi quem criou um marco temporal nesse campo: Freud.
E cá estamos nós, tentando compreender um pouco mais esse fenômeno — e como ele se aplica a nós. Cativa-me o fato de que o inconsciente tem, como característica essencial, certo mistério: é um verdadeiro enigma da mente. Isso nos permite deixar aqui uma pequena contribuição, sem a expectativa — ou pretensão — de esgotar o tema.
Os sonhos parecem ser uma das chaves importantes na tentativa de lançar luz sobre esse assunto. Não sou, nem de longe, especialista em Freud ou em inconsciente, mas sei o quanto ele valorizava essa forma de expressão. Talvez porque, lá, no mundo dos sonhos, tenhamos uma liberdade que aqui, no plano real, não temos mais.
Nos sonhos, temos algo extremamente importante para que possamos nos expressar com mais sinceridade e clareza: um mundo só nosso. Eles podem funcionar como um tubo de ensaio para compreendermos, expressarmos e vivermos certas experiências sem os custos que a vida real impõe. Mais do que isso: os sonhos também operam como canal de comunicação entre nós e nosso inconsciente.
Pense em seus sonhos como uma tela de cinema: nela, seu inconsciente encontra espaço amplo e propício para exibir tudo o que tem para lhe dizer. Não estou afirmando que todos os sonhos possuem significados profundos ou que são chaves para grandes enigmas. Mas, em muitos casos, eles são uma via para expressar o que seu inconsciente tenta comunicar.
E o que isso significa, exatamente? Que podemos aprender muito sobre nós mesmos. Sobre nossos desejos, nossas angústias, nossos relacionamentos, nossas aspirações.
Voltando à ideia de Platão: o quanto daquilo que vemos, e pensamos ser real, não passa de mera projeção do inconsciente? Projeção de um desejo reprimido? Mais uma vez, são as perguntas que protagonizam a reflexão.
Relembre, por exemplo, um relacionamento ou um amor antigo: será que aquela pessoa era mesmo o que você pensava? Ou será que você projetou nela algo que desejava que ela fosse? Algo que precisava que ela fosse? É mais ou menos aí que está um ponto importante de parada e reflexão.
Há uma possibilidade, no mínimo considerável, de que você tenha se enganado. De que tenha convencido a si mesmo a ver algo que, de fato, não estava ali — mas que você gostaria que estivesse.
Claro, é evidente que pessoas mentem, enganam e fazem coisas detestáveis com plena consciência. Mas também é possível que os sinais estivessem ali, e você tenha escolhido não vê-los. Talvez você mesmo tenha preenchido lacunas com expectativas.
Buscar acessar o inconsciente, através de um exercício mais profundo de introspecção — escutando e compreendendo a si mesmo — pode ser um caminho essencial na busca por autoconhecimento. Compreender melhor o que está submerso em nossa consciência pode nos poupar de erros, desilusões e falsas promessas.
Pode nos livrar da ilusão de projetar em algo — ou alguém — aquilo que gostaríamos que fosse, mas que simplesmente não é.
A realidade, mesmo quando é dura, ainda é melhor do que qualquer mentira confortável. Afinal, as piores mentiras são mesmo aquelas que contamos a nós mesmos.