Nosso Brasil é um país, no mínimo, curioso — para não dizer tragicômico. Uma das marcas registradas do brasileiro médio é a total incoerência entre aquilo que diz e aquilo que faz. Aqui, tudo parece possível.
Como diz o ditado, é o país onde “o poste faz xixi no cachorro”. Se me pedissem um palpite, eu diria que há certa relação entre essa dissonância e o analfabetismo funcional que nos atravessa — mas isso fica para outro texto.
O fato é que vivemos em um país assolado pela criminalidade. Um território às portas de se tornar um narcoestado. Zonas inteiras do país onde o Estado é um inexistente, e onde milhões vivem reféns de facções criminosas.
Jovens são aliciados, recrutados e mortos numa velocidade que nem estatística acompanha. Diante disso, o mínimo que se esperaria seria repulsa, revolta, desejo de ordem. Mas o que vemos é justamente o oposto: o criminoso se tornou celebridade.
A cultura da bandidagem foi glamurizada. Parece até uma versão tropical da Síndrome de Estocolmo — quando a vítima desenvolve laços afetivos com seu algoz.
Segundo o Datafolha, 58% dos brasileiros afirmam que a criminalidade aumentou. Já a Atlas/Bloomberg aponta que 91,4% da população vê o crime como grande preocupação. E não é à toa: o Brasil supera, em número de homicídios, muitos países em guerra.
Mas se a insegurança é uma constante, se o medo domina o cotidiano, como explicar o fascínio coletivo por bandidos transformados em ídolos?
Nos últimos dias, vimos a prisão de figuras como MC Poze e Oruam — milionários do submundo, que ostentam armas em shows, promovem o crime abertamente e mantêm relações públicas com facções. São tratados como artistas. Faturam alto. Têm milhões de seguidores. São adorados. E isso diz muito mais sobre o Brasil do que sobre eles.
Minha suspeita é simples: o Brasil afunda em ignorância. A subeducação, a ausência de cultura, a inversão de valores… Tudo isso cria um terreno fértil para a exaltação do grotesco.
E isso não acontece por acaso. Há dois grandes vetores que sustentam essa idolatria do crime: uma mídia militante e populista, e setores da política, especialmente à esquerda, que enxergam no marginal não um criminoso, mas uma “vítima da sociedade”.
É “chique”, é “moderno”, é “desconstruído” enaltecer o fora-da-lei. O criminoso é romantizado como símbolo de resistência. Basta ver as novelas — que entram todos os dias na casa do brasileiro médio — e transformam o bandido em mocinho.
O traficante em herói. O marginal em oprimido. Tudo sob a lente torta de um progressismo que, no fundo, serve apenas para anestesiar o senso moral da sociedade.
Em contrapartida, quem é tratado como criminoso? O comediante. Sim, porque fazer piada virou crime hediondo. Léo Lins — humorista conhecido por seu humor ácido — foi condenado a 8 anos de prisão e multa milionária.
O crime? Contar piadas. Em um show de piadas. Para uma plateia que pagou para rir dessas piadas. Não importa se você gosta ou não do estilo do Léo. A questão é outra: como pode um país que solta traficantes e assassinos prender humoristas?
A resposta está na total inversão de valores. No Brasil, o crime compensa — e a piada é que vai presa.
A verdade é que grande parte do povo já perdeu a vergonha. Perdeu o senso. Vive anestesiado. E por isso, não sente mais a própria degradação. Ainda é possível recuperar esse país? Talvez. Mas não enquanto a sociedade continuar se nivelando por baixo, aceitando a arte da pior qualidade, o esforço mínimo e a desculpa como regra.
Vivemos hoje numa cultura onde o talento dá lugar ao barulho, o mérito ao vitimismo e o crime ao estrelato. O Brasil não premia a virtude — premia a transgressão.
E no fim, resta a pergunta incômoda: em um país onde o humor vira crime, e o crime vira cultura, quem, afinal, está sendo realmente julgado?